A criação de dinheiro pelo
sistema bancário e sua materialização através de créditos concedidos via
sistema de reservas fracionárias (criação de crédito artificial) produz
na estrutura produtiva efeitos iniciais bastante similares ao aumento
de crédito via poupança prévia voluntária. No entanto, esse aumento
artificial de crédito não diminui a demanda final de bens de consumo,
diminuição esta que liberaria recursos para a manutenção dos diferentes
agentes econômicos durante os processos produtivos. A expansão
artificial do crédito impulsiona um processo de desajuste ou
descoordenação entre o comportamento dos agentes econômicos, gerando um
exemplo típico de indução a um erro de cálculo econômico ou estimativa
por parte dos empreendedores.
A
descoordenação se manifesta, primeiramente, no surgimento de um período
de grande otimismo em virtude do fato de os agentes se sentirem capazes
de ampliar a estrutura produtiva sem o sacrifício de algum consumo —
necessário para gerar poupança — e acúmulo prévio de capital, pois a
expansão creditícia tem o efeito de fazer parecer que houve um aumento
na oferta de bens presentes, os quais passam a ser demandados devido às
taxas de juros artificialmente mais baixas. Consequentemente, a
movimentação da renda nas etapas produtivas (oferta e demanda de bens
presentes), bem como a renda nominal em um período considerado, também é
alterada.
Embora ocorra esse aumento
inicial na atividade econômica e otimismo fruto da expansão creditícia
artificial, tal situação é anômala e, portanto, insustentável. Existem
mecanismos microeconômicos que interrompem e revertem essa
descoordenação "macroeconômica". Tais mecanismos existem em função da
reação espontânea do mercado frente à expansão creditícia artificial,
pois toda agressão ao processo social — na forma de intervenção
governamental, coação sistemática, manipulação de indicadores essenciais
ou concessão de privilégios que ferem os princípios tradicionais do
direito — dá lugar espontaneamente a processos de interação social que,
movidos precisamente pela capacidade coordenadora da função
empreendedorial, tendem a interromper e reverter a descoordenação e os
erros cometidos. Vejamos quais são estes mecanismos:
a)
Aumento de preço dos fatores de produção — ocorre devido a duas causas
distintas que se reforçam mutuamente. Por um lado, a maior demanda
monetária por recursos originários (trabalho e recursos naturais)
efetuado pelos capitalistas; por outro, a menor oferta dos fatores
originários, pois não ocorreu a poupança voluntária prévia que os
liberou. O efeito conjunto, como não poderia ser diferente devido à
interação entre oferta e demanda de fatores, é o progressivo aumento de
preços no mercado desses fatores, o qual tende a se acelerar como
resultado da concorrência entre os próprios empreenddores das diferentes
etapas (e que é sustentado pelo crédito artificial disponível, que
possibilita aos empreendedores pagar mais para conseguir os fatores
escassos);
b)
Posterior aumento nos preços de bens de consumo — os preços de bens de
consumo aumentam de forma relativa em comparação ao aumento de preço dos
fatores originários pelos seguintes motivos combinados:
1. crescimento da renda dos
fatores originários de produção descrito anteriormente, o que causa um
crescimento da demanda monetária por bens de consumo;
2. uma relativa demora na produção de mais bens de consumo final em função do aumento e da criação de novas etapas de produção;
3.
devido à distorção do cálculo econômico, os empreendedores tendem a
calcular seus custos em função do custo histórico e da capacidade
aquisitiva de fatores a níveis anteriores ao início do processo
inflacionário. Isso leva ao surgimento aparente de bonança empresarial,
pois a receita nominal aumentou mas os custos seguem aparentemente
estáveis.
c)
Aumento relativo dos lucros das empresas das etapas mais próximas do
consumo final — o preço dos bens das etapas intermediárias aumenta de
forma mais lenta que os preços dos bens de consumo final, o que se
reflete no aumento dos lucros aparentes das empresas deste setor. Além
disso, os preços dos bens intermediários experimentam um aumento menor
que o aumento dos custos de produção. Essa combinação inicia um
movimento espontâneo dos empreendedores para reconsiderar seus
investimentos, retirando recursos de projetos mais intensivos em capital
e redirecionando-os para projetos mais próximos ao consumo final;
d)
Fim do Efeito Ricardo — o aumento de preço de bens de consumo mais que
proporcional à renda dos fatores originários causa a queda do salário
real. Isto é o contrário do Efeito Ricardo e todas as suas
consequências. Os empreendedores tendem, assim, a substituir capital
por trabalhadores, reduzindo ainda mais demanda por bens de capital, o
que acaba por agravar a latente diminuição dos lucros descrita no item
anterior;
e)
Aumento das taxas de juros dos créditos artificiais a um nível até
superior ao que vigente antes da expansão — o aumento se dá pelo efeito
combinado dos seguintes fenômenos:
1. Incorporação das
expectativas inflacionárias (ou perdas de poder aquisitivo da moeda nos
empréstimos), causadas pela expansão creditícia artificial;
2.
Os empreendedores, na medida em que já comprometeram importantes
recursos em novos projetos de investimento, estarão dispostos a pagar
taxas de juros mais altas se os créditos lhes proporcionarem a
possibilidade de terminar os projetos — projetos estes que foram
iniciados insustentavelmente em função da distorção do cálculo
econômico.
f)
Surgimento de prejuízos nas empresas relativamente mais distantes das
etapas de consumo final: o inevitável surgimento da crise — a combinação
dos efeitos anteriormente descritos resulta em prejuízos das empresas
mais distantes do consumo final, fazendo-se necessário o encerramento
dos projetos insustentavelmente empreendidos, retirando recursos das
etapas mais distantes e redirecionando-os novamente para as etapas mais
próximas do consumo final, as quais agora são relativamente mais viáveis
economicamente. É o início da reestruturação da estrutura produtiva —
ou seja, a recessão econômica.
A
crise se manifesta, em resumo, por falta de poupança prévia e por
investimentos errôneos e insustentáveis, pois a expansão creditícia
artificial induziu os empreendedores a um erro no cálculo econômico.
Como resultado, numerosas fábricas encerram suas atividades,
especialmente aquelas mais distantes das etapas de consumo final, o que
provoca a demissão de muitos trabalhadores. A sociedade é tomada pelo
pessimismo e pela idéia de que se entrou em uma inexplicável crise
econômica pouco tempo depois de um acentuado período de otimismo.
A
crise faz com que a estrutura produtiva volte ao seu normal. Ela se
torna mais curta (em função tanto da destruição de etapas como da
redução do tamanho de etapas existentes), menos intensiva em capital e,
consequentemente, com uma menor produção de bens e serviços. Ainda que a
renda nominal continue igual à época da expansão creditícia artificial,
sua distribuição variou em favor das etapas próximas ao consumo final.
Essa estrutura produtiva que
resulta após o reajuste não pode continuar sendo igual à que precedia a
expansão creditícia artificial, pois as circunstâncias mudaram
sensivelmente. Houve um irreversível consumo de capital, o que provoca
uma diminuição na quantidade de capital per capita, na produtividade do
trabalho e nos salários em termos reais.
Portanto,
não existe nenhuma possibilidade teórica de que uma expansão de crédito
bancário que não seja respaldada por poupança prévia permita reduzir os
necessários sacrifícios que o crescimento econômico exige. Como foi
dito, toda agressão ao processo social dá lugar espontaneamente a
processos de interação social que tendem a interromper e reverter a
descoordenação e os erros cometidos. Esta reversão, a recessão
econômica, é benéfica no sentido de realocar os recursos escassos a
projetos mais prioritários, possibilitando assim a retomada do
crescimento econômico.
No
entanto, como a recessão não é desejável politicamente para os
governantes, eles lançam mão de novas rodadas de expansão creditícia
(parte substancial das quiméricas "políticas anticíclicas"), o que em
verdade retroalimenta todo o processo de descoordenação e seus efeitos
(dilapidação de capital e concentração forçada de renda), prolongando a
crise econômica e dificultando a retomada efetiva e sustentável do
crescimento econômico.
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